Notícia  /  19.03.2018

Apontamento Histórico 1 - Da festa à tragédia em Munique-1972

Da festa à tragédia em Munique-1972

Os Jogos Olímpicos de 1972, em Munique, eram para servir à Alemanha como factor de recuperação de prestígio internacional e de afastamento daquela imagem que desde os Jogos de Berlim de 1936 colava o desporto e a guerra. Para isso, o comité organizador tudo fez para que os Jogos mostrassem um ambiente de festa e alegria, de descontracção, com acolhimento simpático desde o aeroporto à aldeia olímpica e ao estádio, passando pela rua, onde os agentes policiais se mostravam quase desarmados e muito solícitos a qualquer pedido de informação.

 

O sistema começou por funcionar muito bem e os primeiros dias dos Jogos revelaram notáveis desempenhos dos atletas mais destacados: Mark Spitz, dos EUA, tinha feito as delícias dos adeptos da natação com as sete vitórias conseguidas em oito dias; a ginasta soviética Olga Korbut trouxe uma imagem de graça e criatividade; o corredor finlandês Lasse Virén e o judoca holandês Wim Ruska estavam a caminho de conseguir duas medalhas de ouro, só que, na madrugada de 4 para 5 de Setembro, tudo mudou da festa para a tragédia.

 

Nessa noite do início da última semana dos Jogos, um comando palestino da organização Setembro Negro entrou na aldeia olímpica pela calada da noite, dirigiu-se aos apartamentos da delegação de Israel e sequestrou vários elementos dessa missão olímpica. A intenção era a de trocá-los pela libertação de 234 activistas da causa palestina detidos em prisões de Israel. Durante mais de 20 horas de grande tensão sucederam-se momentos de negociação que acabaram por levar a um acordo: os palestinos seguiriam de avião com os reféns até um país árabe, onde os libertariam. No entanto, as coisas correram de modo diferente do esperado. Logo na madrugada do início da acção, alguns elementos da delegação atacada ofereceram resistência, tendo dois acabado por ser abatidos pelo comando. No final, já no aeroporto de onde deveria descolar o avião com sequestradores e reféns, a polícia alemão tentou de forma obstinada e incompetente uma intervenção totalmente desnecessária que tinha por objectivo aniquilar os palestinos, sem sequer saber, por exemplo, quantos eles eram. Resultado: mais 15 mortes que podiam ter sido evitadas.

 

Para ataque terrorista, esta acção parece muito invulgar, pelo menos à luz dos padrões de hoje. Por um lado, a acção não se traduziu num ataque indiscriminado, em que se trataria de matar a eito, mas antes num acto selectivo, dirigido a um grupo escolhido, que era o conjunto de membros da delegação olímpica de Israel. Mas poderia juntar-se ainda outra característica invulgar naquilo que foi considerado uma acção terrorista. É que aquele acto, em última análise, até poderia ter-se concretizado sem perda de vidas. Basta ter em conta que as duas mortes verificadas na aldeia olímpica foram de um atleta do halterofilismo e de um treinador de luta que insensatamente reagiram desarmados contra atacantes armados com metralhadoras, pistolas e granadas; e que as restantes mortes, ocorridas no aeroporto, foram consequência de uma tentativa de intervenção policial mal planeada. Sem desresponsabilizar aqueles que perpetraram o ataque à delegação de Israel, haverá que perceber que, como notou o jornalista Simon Reeve numa investigação para a BBC, se calhar muita da culpa do desfecho trágico daquele dia deve ser assacada às autoridades alemães, cuja iniciativa final conduziu a todas aquelas mortes no aeroporto quando o assunto já estava praticamente resolvido sem necessidade de mais derramamento de sangue. De resto, a revista alemã «Der Spiegel» perguntava na capa da edição de 11 de Setembro se o massacre de Munique não podia ter sido evitado: « War es zu vermeiden?»

 

O início do desfecho trágico deste dia mais triste da história olímpica moderna foi registado por um dos mais credenciados fotógrafos portugueses, Eduardo Gageiro, que tinha sido enviado a Munique para fazer a cobertura dos Jogos Olímpicos para o jornal «O Século» e do 16.º andar do edifício da delegação portuguesa conseguiu imagens que foram exclusivo mundial daquele momento dos acontecimentos.

 

Por Carlos Gomes

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